Viveu Mário Cesariny

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“Ao longo da muralha que habitamos /há palavras de vida há palavras de morte/ há palavras imensas, que esperam por nós/ e outras, frágeis, que deixaram de esperar”. Mas pode um poeta esperar por elas, quando mais impaciente não há que o próprio tempo? Se, venci-da por ele, uma vida não é menos que uma história para contar, a de Mário Cesariny não será certamente um conto de esperas e hesitações.
Ainda que prescindindo, a certa altura, do apelido paterno e acrescentando, mais recentemente, o Rossi dos seus antepassados, foi como Mário Cesariny de Vasconcelos que foi baptizado, a 9 de Agosto de 1923, em Lisboa. Frequentou o Liceu Gil Vicente e, posteriormente, a Escola de Artes Decorativas António Arroio, tendo ainda desenvolvido estudos na área da música, com Fernando Lopes Graça. Em 1947 frequentou a Academia de La Grande Chaumire, em Paris, onde travou conhecimento com André Breton. Inicialmente seguidor do movimento neo--realista, Cesariny afasta-se claramente deste e forja, na aliança da sua natureza questionadora com as recém-adquiridas influências, uma predisposição artística inspirada no surrealismo francês, que o leva a criar o Grupo Surrealista de Lisboa e, posteriormente, com a mesma orientação, mas procurando um grau extremo de espontaneidade, um anti-grupo: “Os Surrealistas”. A inicial identificação com Cesário Verde e Álvaro de Campos na sua produção literária dá lugar a uma apologia do “insólito” e do “absurdo”, construções que considera levar a cabo a partir do desregramento inicial das suas experiências nas artes plásticas, nomeadamente na pintura, às quais dedicou também tempo e talento.
Considerado o mais importante representante português do surrealismo, encontrou neste o fundamento para uma atitude estética de constante experimentação, nomeadamente pelo uso de uma técnica designada “cadáver-esquisito” (cadavre-exquis) – construção de uma obra por três ou quatro pessoas, sendo que cada uma deveria dar continuidade, em tempo real, à criatividade da anterior. Seja na prática plástica, que o conduz a uma corrente gestualista, de corrosivo humor, seja na escrita, que lhe denuncia uma ironia por vezes violenta, debruçada sobre mitos já consagrados da cultura portuguesa e ocidental, o estilo anárquico da obra de Cesariny é uma constante de longe estranha à banalidade.
Na madrugada do dia 26 de Novembro o tempo roubou a continuidade a uma vida que agora se conta em forma de história. Impaciente ou ponderada que seja a conquista de palavras para o efeito, foi Cesariny quem disse que “nada está escrito afinal”.
*Ágata Carvalho de Pinho

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